“Temos que entender que tempo não é dinheiro. Essa é uma brutalidade que o capitalismo faz como se o capitalismo fosse o senhor do tempo. Tempo não é dinheiro. Tempo é o tecido da nossa vida.”
  Antônio Cândido
                    Uma breve reflexão sobre a origem do talento

Você já deve ter ouvido alguém dizer ou lido em algum lugar que a única coisa que a gente não pode usar como moeda de troca é nosso tempo. Nascemos, sabemos, com uma espécie de crédito desconhecido e não dá para acumular ou vender tempo. Um dia acaba.
Pois foi observando o que faço e porque as pessoas procuram um determinado profissional - um especialista - que me ocorreu esse insight.

Sou Designer Gráfico e me dedico ao desenho desde que tinha 3 anos de idade. Comecei, como todos nós, com aqueles garranchos que a gente faz sem saber que faz, aqueles que nossos pais acham lindo (e perguntam, sem saber que isso não importa, “o que é isso?”), por pura pulsão infantil de expressão, e nunca mais parei…do desenho-pulsão passei a descobrir o poder do desenho como expressão.

Me dedicava exaustivamente a copiar tudo que via, da realidade a desenhos de outros artistas. Disney? Decorei! E Batman, todos aqueles músculos dos gibis eram uma aula de anatomia para mim. Depois vieram os livros técnicos de aprender a Desenhar “A arte de desenhar…” de Renato Silva, que meu pai trazia todas as quartas-feiras, cada um com um tema diferente: “A arte de desenhar mãos”, “A arte de desenhar cavalos”, “A arte de desenhar o corpo nu”…Meu pai nem desconfiava que com aquele seu gesto paternal e carinhoso, um instinto seu, estava definindo minha vida.

Descobri que o desenho era um excelente companheiro. Se estava triste, ia desenhar. Se estava alegre, ia desenhar. Se estava sozinho, ia desenhar.
Cresci, assim, tendo o desenho como uma forma de expressão do meu mundo e compreensão do mundo. Uma linguagem poderosa e misteriosa, que nunca parou de me surpreender e de se revelar e ocultar como uma indecifrável esfinge.
Todos esses anos desenhando, incansável e prazeirosamente, foram definindo minha vocação, minha profissão, e o que a gente costuma chamar de “talento”.

Existe, percebo, uma educação do olho, uma educação da mão e uma educação do espírito, que acontecem paralelamente, após tanta prática e tanto olhar crítico sobre os resultados. Sim, muito olhar crítico…todos os que se debruçam sobre uma obra, sobre um fazer apaixonado, sabem o quanto somos críticos com o que produzimos.

Essa educação no tempo acaba por se transformar numa potência para realizar. Uma arte.
Neste ponto foi que fiz uma associação com aquela fábula do Rei que procurou um exímio artista para que ele desenhasse o mais perfeito peixe que o Rei havia visto, dando a ele um mês inteiro para que ele o fizesse e a promessa de muito ouro. Todos os dias o Rei ia visitar o artista, ansioso, e ele ainda não havia desenhado nada. Até que, ao final do prazo, ao chegar à casa do artista, o Rei lhe pergunta sobre o desenho e ele toma o pincel e desenha, num único gesto, o mais belo peixe que o Rei havia visto. Maravilhado com o resultado e com a brevidade do gesto, o Rei pergunta:

-“Mas você levou apenas alguns segundos para desenhar o mais belo peixe?”
Ao que o artista responde:
- “Não, meu Rei. Eu levei toda uma vida para desenhar, em segundos, este peixe.”

Assim se apresentou a mim esse insight, que pode ser uma interpretação curiosa sobre o que chamamos de “talento”.

Percebo que todo o tempo que dedicamos a refinar um fazer, uma linguagem ou um conhecimento acaba por se transformar num tempo acumulado, num tempo concentrado no sujeito. Este sujeito se transforma, desta forma, num acelerador de tempo, quando convidado a usar este seu “talento” para um determinado fim. Percebo que a velocidade de resposta é uma manifestação deste tempo acumulado, deste saber cultivado no tempo, que se transforma ele mesmo em tempo. E em arte.

Assim, se o que faço hoje pode ser feito “em pouco tempo”, e esse “pouco tempo” tem um enorme valor para quem me procura, porque economiza seu precioso tempo, poderia afirmar que vendo tempo.

Esse é o tecido da minha vida.

 PS: espero que você tenha entendido a ironia do título.

Ronald Kapaz®2014